quarta-feira, 7 de julho de 2010

Ele quer fazer-me feliz


Eu olho pra sua tatuagem, pro tamanho do seu braço e pros calos da sua mão e acho que vai dar tudo certo. Me encho de esperança e arrisco. Ele vem, me trata bem. E estraga tudo. Mania de ser bom moço, coisa chata.

Eu nunca mais quero ouvir que tú só tens olhos pra mim, ok? E nem o quanto és bom filho. Trate de parar com essa mania horrível de largar seus amigos quando eu ligo.

Colabora. Tá tão fácil me ganhar, basta fazer tudo pra me perder. E lá vem ele dizer que meu cabelo sujo tem cheiro bom. E que já que eu não liguei e não atendi, ele foi dormir. E que segurar minha mão já basta. E que ele quer conhecer minha mãe. E que viajar sem mim é um final de semana nulo. E que tudo bem se eu só quiser ficar lendo e não abrir a boca.

Com tanto potencial pra acabar com a minha vida, sabe o que ele quer? Me fazer feliz. Olha que desgraça. O moço quer me fazer feliz. E acabar com a maravilhosa sensação de ser miserável. E tirar de mim a única coisa que sei fazer direito nessa vida que é sofrer. Anos de aprimoramento e ele quer mudar todo o esquema. O moço quer me fazer feliz. Veja se pode.

E aí passa a maior gostosa na rua e ele lá, idolatrando meu nariz. E aí o celular dele toca e ele, putz, perdeu a ligação porque demorou trinta mil horas pra desvencilhar os dedos do meu cabelo. Com tanto potencial pra me dar uns tapas, o moço adora me fazer carinho com a ponta dos dedos. Não dá, assim não dá.

Deveria ter cadeia pra esse tipo de homem. Pior é que vicia. Não é que acordei me achando hoje? Agora se algum homem me trata mal eu não deixo.Dei de achar que mereço ser amada. Veja se pode. Vinte e três anos servindo de capacho, feliz da vida, e aí chega um desavisado e muda tudo.

Até assoviando eu tô agora. Que desgraça.Ontem quase, quase, quase ele me tratou mal. Foi por muito pouco. Eu senti que a coisa tava vindo. Cruzei os dedos. Cheguei a implorar ao acaso. Vai, meu filho. Só um pouquinho. Me xinga, vai. Me dá uma apertada mais forte no braço. Fala de outra mulher. Atende algum amigo retardado bem na hora que eu tava falando dos meus medos. Manda eu calar a boca. Sei lá. Faz alguma coisa homem!
E era piada. Era piadinha. Ele fingiu que tava zangado só para ver minha reacção. E acabou por aí. Já veio com o papo chato de que me ama e começou a melação de novo. Eita homem pra me beijar. Coisa chata.

Minha mãe deveria me prender em casa, me proteger, sei lá. Onde já se viu andar com um homem desses. O homem me afasta a cadeira no restaurante para que eu sente. Isso quando não me suspende no ar e fala 456 elogios em menos de cinco segundos. Pra piorar, ele ainda tem o pior dos defeitos da humanidade: ele esqueceu a ex namorada. Depois de vinte e três anos me relacionando só com homens obcecados por amores antigos, agora me aparece um obcecado por mim que nem lembra direito o nome da ex.

Como é que isso foi acontecer logo comigo? Durmo que é uma maravilha. A pele está incrível. A fome voltou. A vida tá de uma chatice ímpar. Alguém pode, por favor, me ajudar? Existe terapia pra tentar ser infeliz?

Outro dia até me belisquei pra sofrer um pouquinho. Mas o desgraçado correu pra assoprar e dar beijinho. *


(adoro esse texto. nada melhor que uma relação assim chatinha, cheinha de mimos, de dar inveja, de enjoar os diabéticos.. adoroooo).*





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